O estudo baseou-se nos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), que registram acidentes de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2019, mais de 1,8 milhão de menores de idade dessa faixa etária (4,6% do total) eram vítimas de trabalho infantil.
Os dados apresentados no estudo correspondem a 3% do total de acidentes graves de trabalho registrados pelo Sinan. A maioria das vítimas é do sexo masculino (82%), tem entre 16 e 17 anos (85%) e é de cor branca (44%).
No entanto, quando se trata do contexto do trabalho infantil, é observada uma maior proporção de crianças e adolescentes negros, representando 56% contra 40% de brancos. Além disso, o setor de serviços é o que mais agrava a situação do trabalho infantil no país.
De acordo com o estudo, os principais empregos que contribuem para essa situação são os de entregador de delivery, vendedor ambulante, trabalhador doméstico e cuidador. Além disso, setores como agropecuária, indústria extrativista e construção civil causam mais mortes nesse contexto.
Ao longo da última década, houve um aumento de 3,8% no número de registros de acidentes com crianças de 5 a 13 anos, faixa etária em que o trabalho é ilegal no Brasil. Por outro lado, as faixas etárias de 14 a 15 anos e de 16 a 17 anos apresentaram uma queda de cerca de 50% nos registros de acidentes.
A autora principal do estudo, Élida Hennington, professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz, destaca a importância de um esforço conjunto dos governos federal, estadual e municipal, bem como da sociedade como um todo, para combater essa realidade preocupante. Ela ressalta que o trabalho infantil é apenas a ponta do iceberg da desigualdade social e destaca a importância de políticas públicas que abordem desde a pobreza até o sistema de educação.
Katerina Volcov, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, também destaca a necessidade de uma conscientização maior sobre o que configura trabalho infantil, pois muitos casos são reportados como negligência ou têm outra caracterização oficialmente, o que gera subnotificação nos índices.
Ela ressalta que muitos acidentes que ocorrem no ambiente doméstico, envolvendo crianças e adolescentes como trabalhadores, permanecem invisíveis e não são reportados às autoridades. Katerina enfatiza que o trabalho infantil é aceito e até incentivado em algumas situações, como na cultura extrativista da região Norte do país, o que demonstra a necessidade de aprimoramento das políticas públicas para solucionar todas as questões envolvidas, desde a pobreza até a falta de acesso à educação e a organização de cooperativas.
Em suas experiências em todo o país, Katerina menciona que é comum as famílias considerarem normal que menores de idade exerçam certas atividades. Ela conta o caso de um menino de 13 a 14 anos que trabalhava em uma serralheria e acabou sendo cortado ao meio em um acidente fatal.
Ela destaca que diversos mitos e preconceitos em relação ao trabalho infantil dificultam ainda mais o combate a essa prática. Por exemplo, a noção equivocada de que circular livremente pelas ruas é sinônimo de vagabundagem. Katerina lembra que a sociedade brasileira ainda é marcada pelo racismo, misoginia e homofobia, o que se reflete nas escolhas profissionais das pessoas.
É necessário um esforço conjunto para combater o trabalho infantil e garantir a proteção e o desenvolvimento saudável de todas as crianças e adolescentes no Brasil.