Estudo da Fiocruz revela que Brasil registrou 24.909 acidentes de trabalho e 466 mortes de menores de idade na última década.

Nos últimos dez anos, o Brasil registrou um total de 24.909 casos de acidentes de trabalho envolvendo menores de 18 anos, resultando em 466 mortes, de acordo com um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. Isso equivale a uma média de 2,5 mil acidentes e 47 mortes por ano.

O estudo baseou-se nos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), que registram acidentes de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2019, mais de 1,8 milhão de menores de idade dessa faixa etária (4,6% do total) eram vítimas de trabalho infantil.

Os dados apresentados no estudo correspondem a 3% do total de acidentes graves de trabalho registrados pelo Sinan. A maioria das vítimas é do sexo masculino (82%), tem entre 16 e 17 anos (85%) e é de cor branca (44%).

No entanto, quando se trata do contexto do trabalho infantil, é observada uma maior proporção de crianças e adolescentes negros, representando 56% contra 40% de brancos. Além disso, o setor de serviços é o que mais agrava a situação do trabalho infantil no país.

De acordo com o estudo, os principais empregos que contribuem para essa situação são os de entregador de delivery, vendedor ambulante, trabalhador doméstico e cuidador. Além disso, setores como agropecuária, indústria extrativista e construção civil causam mais mortes nesse contexto.

Ao longo da última década, houve um aumento de 3,8% no número de registros de acidentes com crianças de 5 a 13 anos, faixa etária em que o trabalho é ilegal no Brasil. Por outro lado, as faixas etárias de 14 a 15 anos e de 16 a 17 anos apresentaram uma queda de cerca de 50% nos registros de acidentes.

A autora principal do estudo, Élida Hennington, professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz, destaca a importância de um esforço conjunto dos governos federal, estadual e municipal, bem como da sociedade como um todo, para combater essa realidade preocupante. Ela ressalta que o trabalho infantil é apenas a ponta do iceberg da desigualdade social e destaca a importância de políticas públicas que abordem desde a pobreza até o sistema de educação.

Katerina Volcov, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, também destaca a necessidade de uma conscientização maior sobre o que configura trabalho infantil, pois muitos casos são reportados como negligência ou têm outra caracterização oficialmente, o que gera subnotificação nos índices.

Ela ressalta que muitos acidentes que ocorrem no ambiente doméstico, envolvendo crianças e adolescentes como trabalhadores, permanecem invisíveis e não são reportados às autoridades. Katerina enfatiza que o trabalho infantil é aceito e até incentivado em algumas situações, como na cultura extrativista da região Norte do país, o que demonstra a necessidade de aprimoramento das políticas públicas para solucionar todas as questões envolvidas, desde a pobreza até a falta de acesso à educação e a organização de cooperativas.

Em suas experiências em todo o país, Katerina menciona que é comum as famílias considerarem normal que menores de idade exerçam certas atividades. Ela conta o caso de um menino de 13 a 14 anos que trabalhava em uma serralheria e acabou sendo cortado ao meio em um acidente fatal.

Ela destaca que diversos mitos e preconceitos em relação ao trabalho infantil dificultam ainda mais o combate a essa prática. Por exemplo, a noção equivocada de que circular livremente pelas ruas é sinônimo de vagabundagem. Katerina lembra que a sociedade brasileira ainda é marcada pelo racismo, misoginia e homofobia, o que se reflete nas escolhas profissionais das pessoas.

É necessário um esforço conjunto para combater o trabalho infantil e garantir a proteção e o desenvolvimento saudável de todas as crianças e adolescentes no Brasil.

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