Avanços promissores no combate ao Alzheimer: tratamentos inovadores surgem, mas preços são considerados exorbitantes.

Eu tenho um amigo que acredita haver hemácias bolcheviques nas veias de Vladimir Putin e que nos tálamos do ditador os neurotransmissores são emojis leninistas.

Com certa dificuldade em assimilar a queda de um muro em 1989, ele pensa que Fidel Castro e sua sombra, Maduro, estão mais para Karl Marx do que para Fulgêncio Batista. Enquanto coça sua barba desalinhada, se entrega a um pensamento, enfim, universal. Ele teme sofrer, no futuro, da doença de Alzheimer, sina que marcou o fim de seus pais. Mas está animado. Ficou sabendo de um remédio novo, muito bom, contra a doença. Sabendo que sou neurologista, veio me perguntar se já é bom antecipar e usar a novidade, só para garantir. Uma pessoa que participava da conversa comentou haver um equivalente em planejar quimioterapia para tratar um câncer que talvez apareça em 20 anos.

Não é exatamente um remédio novo. A novidade é mais abrangente, surge em uma classe de medicamentos. Estes têm mab no final do nome, sufixo que indica a presença de um anticorpo de linhagem única. Modificado por biotecnologia, o componente de nossas defesas torna-se uma droga precisa, tal qual certos mísseis capazes de atingir, sem falha, alvos difíceis. Os mabs, há algumas décadas, vêm sendo utilizados para controle de diversas moléstias, como neoplasias, doenças autoimunes e cefaleias. Na doença de Alzheimer, o objetivo da vez é alcançar um grumo proteico anormal, nomeado de β-amiloide, que fica aderido à superfície dos neurônios cerebrais.

Estes agregados foram apontados como uma das causas da morte de células cerebrais, o motor da degeneração provocada pela doença. A nova classe de medicamentos limpa o cérebro desse ocupante indesejado. Ao demonstrarem eficácia, confirmam o suposto efeito deletério do β-amiloide.

Tudo isso para que gigantes farmacêuticas, aliadas a financiamentos do governo dos EUA, atendam a nossa ânsia por mais tempo de vida saudável, ao menos intelectualmente saudável. Poderemos, enfim, gastar por mais tempo, na velhice, as finanças que conseguimos acumular na juventude. Há um eldorado coberto de dólares aguardando o fabricante criador do melhor composto químico para interromper a demência. E possivelmente um prêmio Nobel espera o cientista das primeiras experiências, quem abriu o caminho que trará, o que teremos.

O primeiro candidato à glória foi a droga aducanumab, mas nem passou perto. Em junho de 2021, a agência reguladora de saúde dos Estados Unidos (FDA) concedeu a aprovação, um tanto que acelerada, a esse fármaco, a primeira a um mab contra β-amiloide. A ação foi considerada intempestiva, já que o alegado efeito terapêutico, se existe, é modesto, e não livre de ter ao seu lado consequências indesejadas.

Todas essas desvantagens sob custos anuais de US$ 56 mil. A esse preço, uma prescrição massiva liquidaria os financiadores de saúde. Assim como o acesso às melhores práticas médicas continuaria a separar, por uma linha impermeável, os que mandam dos que obedecem. Depois do aducanumab seguiram resultados de outras drogas, lançando nomes complicados como donanemab, lecanemab, solanezumab, gantenerumab. Todas testadas em pessoas com sintomas iniciais da doença de Alzheimer. Contudo, somente donanemab e lecanemab demonstraram eficácia. Sobre pressão de concorrentes, o preço do aducanumab caiu consideravelmente, obviamente, longe de virar uma pechincha.

Não me concentrarei em comparar as ações dos novos medicamentos, porém, ao seu dispor, deixo as referências para você leitor fazer seus julgamentos. Saiba, no entanto, que nenhum novo fármaco interrompeu o declínio cognitivo ou trouxe recuperação das capacidades perdidas. Os compostos bem-sucedidos apenas reduziram a piora progressiva e continuam especialmente caros.

Quem estiver preocupado com finanças, pode quantificar suas aflições por meio de uma métrica, que em análise simplificada monetiza a vida, o custo-efetividade. É uma forma de avaliar se a medicação vale o que pesa. E de calcular o retorno financeiro de um investimento em saúde. O meu amigo stalinista-pós-moderno-antiamericano tem ojeriza a essa faceta do capital. Para ele a única medida importante deve ser empregada para quantificar o bem-estar. Todavia é inegável a importância do custo-efetividade, especialmente para um orçamento astronômico que será empenhado para prolongar a trajetória de muitos, por mais um punhado de anos.

Os gastos com saúde nos EUA para pessoas com doença de Alzheimer, contudo, já são titânicos. Em 2021, foram cerca de US$ 355 bilhões, estimativas calculam que poderão ultrapassar US$ 1 trilhão até 2050. A terapia terá custo-efetividade caso reduza esses valores, por diminuir despesas de outros tratamentos, cuidados, demandas com seguridade social, e aumentar o tempo que alguém contribui ao fisco. Médicos do Massachusetts General Hospital, em Boston, calcularam que nem aducanumbab (com os descontos) nem donanemab têm custo-efetividade. Para alguém que segura a chave dos cofres, eficácia não basta.

Nós sabemos que as placas β-amiloide se acumulam em cérebros antes de os sintomas começarem. Portanto é possível que meu amigo, eu e você já tenhamos esse grumo dentro de nosso crânio e inocentemente aguardamos a inevitável consequência que chegará em décadas. Possivelmente algum grupo de cientistas provará que, neste caso, se recebermos algum mab antes de qualquer sinal clínico de doença, ficaremos livres da doença de Alzheimer. E então, a preços nada módicos, o meu amigo poderá adotar a prevenção que já sonha, sob riscos de efeitos colaterais. E você?

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